sábado, 10 de abril de 2010

La Nuit Américaine

La Nuit Américaine, de François Truffaut



















Muitos foram os que tentaram fazer um filme sobre fazer filmes. Talvez nenhum o tenha feito de forma tão apaixonada como Truffaut fez La Nuit Américaine.

Acredito que para compreender o mais básico de fazer um filme, basta ver 8 ½ de Fellini e este La Nuit Américaine de Truffaut. Complementam-se excepcionalmente. Tão diferentes um do outro, Fellini retratou as dificuldades de um realizador em surgir com uma ideia e vasculhou a própria vida e mente, Truffaut mostrou-nos simplesmente o que é estar a rodar o filme, com todos os altos e baixos. Num momento do filme, o realizador Ferrand, representado pelo próprio Truffaut, afirma que fazer um filme é como andar de carruagem pelo faroeste, se ao início se espera uma boa viagem, no final apenas se espera chegar ao destino.

O filme passa-se inteiramente no local de rodagem de um outro filme, um estúdio na belíssima cidade de Nice, no Sul de França. O filme dentro do filme chama-se “Je Vous Présente Pamela”. Os actores chegam, filmam as suas cenas e partem. Entre eles Severine, destruída pelo alcóol, nervos e insegurança; Julie Baker, instável estrela de Hollywood; Alphonse, sensível e profundamente apaixonado; Alexandre, actor experiente a tentar enquadrar-se com a sua orientação sexual ou Stacey, que se descobre estar grávida. A viagem a que Ferrand se propõe é dirigir personagens e sobretudo dirigir pessoas, à frente e atrás da câmara. Segundo ele, um realizador é alguém a quem são feitas muitas perguntas, e às vezes sabe a resposta. Um carta de amor ao cinema de um dos seus maiores apaixonados, que o sublinha com sequências oníricas em que recorda a sua infância com os filmes.

Apesar de assistirmos a toda a filmagem, nunca percebemos realmente a validade do “Je Vous Présente Pamela”. Os próprios actores não percebem. Pensamos não ter visto nada. Saltamos de cena em cena, de crise em crise, de falha em falha. Sempre a desejar apenas “chegar ao destino”. Sempre “on the run”. Mas sempre com ternura. Definitivamente Truffaut.

As três camadas do filme, de Truffaut realizador para Truffaut actor para personagem Ferrand, são espelho da energia e da verdade que o filme encerra, pela qual pugnaram críticos e realizadores da Nouvelle Vague.

De realçar é a actuação de Jean-Pierre Léaud, no que é talvez o melhor papel da sua carreira. Com referências óbvias à personagem de Antoine Doinel, este Alphonse ama o cinema e as mulheres. Ama Liliane. É um eterno apaixonado. Inocente e terno. Jean-Pierre Léaud deu muito dele próprio e de Truffaut. Dificilmente o cinema voltará a conhecer igual relação realizador-actor. Para mim, fica uma das interpretações mais marcantes da minha experiência como cinéfilo.

Diz Ferrand a Alphonse, ou talvez Truffaut a Léaud, que pessoas como eles só nos filmes podem ser felizes. Um hino ao cinema.

2 comentários:

  1. Gostei muito do texto, deixaste-me com imediata vontade de o ver! Por acaso (ou talvez não) já o tinha sacado há dias e está aqui para ser visto. :P Já vi esse do Fellini, será interessante ver e ver como se complementa este.

    Olha, vê "O Estado das Coisas", do Wim Wenders, é muito bom e mostra a experiência e as dificuldades de fazer um filme e uma obra de arte. E passa-se numa cidade que está perto de nós - a nossa própria capital :)

    Um abraço!!

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  2. Mas cuidado com o "complementa" o 8 1/2. Complementa no sentido de mostrar duas realidades distintas do processo de fazer um filme, porque os filmes não tem absolutamente nada a ver um com o outro.
    O La Nuit Américaine é extremamente leve, muito fácil de se ver.

    E boa parte do meu amor pelo filme vem da personagem do Léaud. Provavelmente muitos diriam que qualquer papel dele como Antoine Doinel supera este, eu não concordo. Acho impossível não simpatizar com a personagem.

    Depois diz o que achaste.

    Tinha aqui o Lisbon Story, não sabia que o Wenders tinha filmado mais em Lisboa. Vou tratar disso.

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